A proficiência do educador bilíngue influencia na Educação Infantil? Precisamos desvendar alguns mitos

Por Djalma Wanderley | Assessor pedagógico Be – Bilingual Education

“Mas a professora da educação infantil precisa saber muito inglês por quê? Ela precisa só do básico.”

“Eu não tenho muita experiência em conversação, mas já dei aula pra pequenos, porque não precisa de muito, né?”

O senso comum relacionado ao trabalho de profissionais da educação envolvidos com a Educação Infantil é de que o trabalho com crianças até 5 anos é fácil, pois, na opinião de diversos segmentos da sociedade, tudo o que se faz com crianças é “brincar”, o que pode dar a impressão de que não aprendem nada. Essa, no entanto, é uma percepção fora da realidade da Educação Infantil, já que é nesse momento que as crianças começam suas experiências sociais – e algumas delas são, realmente, brincadeiras. Brincar, porém, não é a única atividade realizada com as crianças. Poucos se dão conta de que educadores e educadoras realizam um trabalho que, definitivamente, “não é brincadeira”. 

Ser educador ou educadora da Educação Infantil exige muito planejamento e dedicação, principalmente quando se entende que é nesta fase da vida que as crianças estão sendo expostas a eventos sociais aos quais nunca fizeram parte, mas que devem se acostumar. Em meio a tudo isso, há também o início da apresentação dos conhecimentos acadêmicos: noções de matemática, geografia, ciências e linguagem, por exemplo.

Em se tratando de linguagem, há, na Educação Infantil, a necessidade de o educador ser um modelo linguístico, uma vez que é a partir do discurso de um par mais experiente que a criança vai iniciar seus moldes de fala: palavras, estruturas, expressões, entonações, bordões, etc. Levando-se em consideração que esta criança tem em seu entorno muitas pessoas que usam a língua de nascimento, podemos entender que ela terá muitos “modelos” de uso dessa língua. Portanto, seu arcabouço linguístico será bastante robusto e ela se sentirá mais à vontade para utilizar palavras às quais é mais exposta no seu cotidiano. 

Mas será que o mesmo acontece com a língua adicional? Será que a criança é exposta à mesma quantidade de “modelos” de língua adicional?

O processo de aquisição de língua adicional, quando iniciado na Educação Infantil, não é o mesmo que o da língua de nascimento. Na grande maioria dos casos, a única fonte de uso da língua adicional que a criança conhece é seu educador bilíngue. Logo, esses educadores tornam-se o único modelo linguístico de muitas crianças. Pensando assim, a necessidade de competência oral desses profissionais é de extrema importância. 

Infelizmente, no que diz respeito a educadores bilíngues na Educação Infantil, o senso comum é que não há necessidade de que conheçam a língua adicional “a fundo” (e a língua-foco, aqui, é o inglês). As frases no início deste artigo trazem um pouco dessa crença. Acredita-se que o conhecimento linguístico necessário pode limitar-se a vocabulários mais básicos, como numbers, colors, animals, e focar apenas em sua repetição com os estudantes. Essa visão, no entanto, pode ser nociva ao desenvolvimento linguístico das crianças, que, por serem “esponjinhas de conhecimento”, poderiam internalizar muito mais nuances da língua adicional do que apenas listas de vocabulário. 

O Projeto de Resolução que dispõe sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Plurilíngue traz, em seu capítulo 3, intitulado “Da Formação De Professores”, a necessidade de que todos os educadores que trabalhem com Educação Bilíngue tenham comprovação de proficiência mínima em nível B2, de acordo com o Common European Framework for Languages. Conforme documentos do Council of Europe, uma pessoa com proficiência B2:

“É capaz de compreender o conteúdo essencial de assuntos concretos ou abstratos num texto complexo, incluindo uma discussão técnica na sua especialidade. É capaz de comunicar com uma grande espontaneidade que permita uma conversa com um falante nativo, não se detectando tensão em nenhum dos falantes. É capaz de exprimir-se de forma clara e pormenorizada sobre uma vasta gama de assuntos, emitir uma opinião sobre uma questão atual e discutir sobre as vantagens e as desvantagens de diferentes argumentos.”

Para o trabalho com a Educação Infantil, é importantíssimo frisar o seguinte trecho: “É capaz de comunicar com uma grande espontaneidade que permita uma conversa com um falante nativo, não se detectando tensão em nenhum dos falantes.” É esse o tipo de modelo linguístico robusto que poderá auxiliar as crianças a atingirem seu máximo potencial no que diz respeito à aquisição de uma língua adicional.

Portanto, é preciso deixar de lado a crença de que educadores bilíngues para a  Educação Infantil precisam somente apresentar listas de vocabulário e “musiquinhas” para que as crianças memorizem, pois é aí que está o problema. A internalização e o uso orgânico da língua adicional pelas crianças só acontecerá se houver um modelo que ofereça a noção de que pode existir espontaneidade no uso da língua em ambientes nos quais elas vivem e convivem com seus pares, sem qualquer resquício de vergonha ou tensão. Esse é um dos motivos pelo qual a Educação Bilíngue faz cada vez mais sentido, principalmente na Educação Infantil.

O trabalho realizado pela equipe do Be – Bilingual Education tem como principal objetivo o máximo preparo de educadores que trabalham com o currículo bilíngue. Essa movimentação tem início no primeiro contato com os educadores por meio da realização de um nivelamento em relação à proficiência linguística. E continua com a formatação, junto com a instituição parceira, de um plano de ação que dê oportunidade ao desenvolvimento linguístico e profissional desses educadores para além dos momentos de formação continuada, contemplando práticas pedagógicas de sala de aula, novas metodologias e abordagens. 

Entre as metodologias de ensino bilíngue utilizadas nas séries da Educação Infantil, a interação contínua entre estudantes e educadores da língua adicional é um dos principais focos. Percebe-se que é mais importante o uso cotidiano da língua adicional em sala de aula, junto com as crianças, do que apenas o foco no uso da língua inglesa quando surge o momento de “apresentar vocabulário”. 

Ao comunicar-se apenas na língua inglesa durante as aulas, criando momentos de rotina e fazendo uso de referências visuais (figuras, vídeos, linguagem corporal), educadores bilíngues possibilitam que estudantes compreendam as mensagens transmitidas sem o uso direto da língua de nascimento. Assim, o enfoque deixa de ser apenas uma lista de vocabulário.A fim de que possam se tornar modelos linguísticos eficazes, educadores podem aproveitar todos os momentos possíveis nos diversos ambientes educacionais nos quais estejam inseridos para apresentar, através do uso contínuo, essa língua tão nova para as crianças.

SOBRE O AUTOR

Djalma Wanderley

Assessor pedagógico do Be – Bilingual Education. Graduado em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco, pós-graduado em Linguística Aplicada ao Ensino de Língua Inglesa pela FAFIRE e em Metodologias e Práticas para o Ensino Be/Multilíngue pelo Instituto Singularidades. Possui certificações de proficiência linguística (ECPE, TOEFL iBT) e de práticas pedagógicas (CELTA, TKT CLIL). Tem 17 anos de experiência na área de ensino de língua inglesa, dos quais 7 foram dedicados à Educação Bilíngue, como assessor pedagógico, formador de professores e professor da Educação Infantil aos Anos Finais do Ensino Fundamental.


REFERÊNCIAS:

Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Plurilíngue

PROJETO DE RESOLUÇÃO – Dispõe sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Plurilíngue (http://portal.mec.gov.br/docman/setembro-2020-pdf/156861-pceb002-20/file) Quadro Europeu Comum de Referência (https://centrodelinguas.uff.br/niveis-de-proficiencia/)

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