Como os estudantes na Educação Bilíngue aprendem

Um dos principais desafios que escolas e educadores bilíngues enfrentam são os questionamentos frequentes de algumas famílias em relação às escolhas, metodologias, maneiras de avaliar e registrar a aprendizagem de seus filhos. Muitos desses questionamentos vêm de uma vivência de aprendizagem de língua adicional muito diferente daquela oferecida atualmente nas escolas de currículo bilíngue.

O ensino de línguas, por muitos anos, se propôs à restrita arte de ensinar a escrita e a estrutura de determinada língua. O famoso “Verb To Be”, terror da geração Millenial, é um exemplo dessa concepção de ensino de língua como objeto de estudo. Mas, afinal de contas, qual a função de uma língua senão a comunicação? Como é possível aprender uma língua sem utilizá-la para sua principal finalidade? E o que tudo isso tem a ver com a neurociência?

“A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca.
Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca.”

(BONDÍA, 2002)

No trecho acima, Larrosa chama a atenção para o conceito de experiência. Quando estudamos neurociência e aprendizagem, nos deparamos também com a noção de experiência. No estudo da neurociência, entendemos que diferentes estímulos proporcionam diferentes sinapses. E o ensino de uma língua adicional por meio da Educação Bilíngue propõe exatamente isto: a aprendizagem da língua pela experiência, pela vivência desta língua em contextos reais de uso. Os educadores utilizam diferentes estratégias e estímulos; os estudantes são convidados a vivenciar a língua. Desse modo, diferentemente do que se propunha o ensino tradicional de línguas, no contexto do ensino bilíngue, a língua é o meio, não o fim. Diferentes componentes curriculares são estudados por intermédio da língua adicional, ou seja, a língua torna-se instrumento crucial para que haja interação. A sua aprendizagem acontecerá, portanto, dentro do propósito ao qual toda língua está destinada: o da comunicação.

A língua traz em si a potência de colocar em palavras, orais ou gráficas, o que o cérebro aprende. A Educação Bilíngue, por sua vez, se propõe a trabalhar a língua em sua integralidade. Ultrapassamos os limites do trabalho com as quatro habilidades da língua (ler, escrever, ouvir e falar) e transcendemos para o desenvolvimento socioemocional dessas habilidades. Isso permite que o aprendiz construa sua identidade também com base em outra língua que vai sendo adicionada ao seu repertório linguístico e de mundo. As sinapses acontecem e são mantidas, pois o aprendiz está utilizando a língua para mantê-la; uma não existe sem a outra.

Podemos ir além nessa analogia sobre língua, comunicação e sinapses. Se as sinapses são as conexões dos neurônios e os neurônios “conversam”, de certa maneira, eles se comunicam. E é nessa interação que a aprendizagem acontece. A aprendizagem também acontece quando duas ou mais pessoas se comunicam; logo, a aprendizagem de uma língua adicional só é possível se houver comunicação, conexão entre duas ou mais pessoas. Onde não há conexão, não há aprendizagem. Compreender isso nos permite entender outras questões na relação educador-aprendiz. Por que é importante que diferentes estratégias sejam utilizadas para que os estudantes aprendam? Porque cada um aprende de um jeito; cada um tem seu tempo. Algumas pessoas fazem sinapses com mais facilidade por meio de imagens; outras, fazendo uso da música; outras, de movimentos. E por aí vai.

É importante também trazer à luz a conexão entre os educadores bilíngues e seus aprendizes. O vínculo afetivo entre eles é determinante no processo de aprendizagem. Dificilmente, uma pessoa se sente estimulada a se comunicar com alguém com quem não tem vínculo algum ou algum tipo de familiaridade. Afinal, como já foi dito, sem conexão, a aprendizagem não ocorre.

E como as famílias podem ajudar efetivamente?

Como a Educação Bilíngue é relativamente nova no Brasil, é importante formar os pais e caminhar junto com eles na desconstrução da vivência que tiveram com a língua adicional. Muitas vezes, os adultos passam essa experiência, nem sempre muito agradável, aos filhos. Isso influencia na conexão desses estudantes com a língua adicional e com os conteúdos das disciplinas ministradas nessa língua. É importante lembrar aos pais que o principal benefício da Educação Bilíngue está além da aprendizagem da língua – ela amplia o repertório de interação dos indivíduos com o mundo. As escolas parceiras do Be – Bilingual Education, por exemplo, contam com um suporte integral da equipe pedagógica no processo contínuo de formação das famílias, justamente para mostrar a elas, de modo prático e vivencial, como a Educação Bilíngue acontece diariamente na escola.

Na perspectiva da neurociência, a Educação Bilíngue, além de ampliar a capacidade de neuroplasticidade do cérebro, melhora a memória, a capacidade de tomar decisões e as habilidades na língua de nascimento. Para além do que pode ser escrito no papel, em uma avaliação ou em um texto sem erros gramaticais, a língua está viva e, através dela, muitas outras aprendizagens se tornam possíveis.

Por fim, a expectativa sobre a aprendizagem em contextos de ensino bilíngue deve ser direcionada ao vínculo que os aprendizes criam com a língua adicional e também no quanto, em situações de uso real dessa língua, são capazes de experimentá-la, vivê-la. O tempo de aprendizagem de cada um deve ser respeitado. Mas se as famílias quiserem contribuir para a aprendizagem de seus filhos, elas podem simplesmente promover momentos em que, juntos, todos brinquem, ouçam músicas ou assistam a um desenho ou série na língua adicional. São ações simples, que trazem naturalmente a língua adicional para o cotidiano, assim como é feito na escola.

Promover o uso natural de uma língua adicional, mesmo sem fluência, pode ser desafiador, mas ainda é possível. Para isso, é importante adotar algumas estratégias em família. Primeiramente, é fundamental criar um ambiente linguístico rico, expondo as crianças à língua adicional por meio de músicas, programas de TV, filmes, livros infantis e brinquedos educativos. Além disso, é importante participar de atividades culturais relacionadas à língua, como festivais e feiras, para desenvolver uma conexão mais profunda com a língua e a cultura.

Lembre-se de que aprender uma língua adicional é um processo gradual e que requer consistência, tempo e motivação. Ao adotar essas estratégias, mesmo sem fluência completa na língua, a família pode promover o uso mais natural e efetivo dessa língua em casa, deixando seus medos de adulto em último plano, respeitando e permitindo uma fluidez no processo individual dos aprendizes.


A autora

Lígia Duran

Assessora pedagógica do Be – Bilingual Education. Graduada em Letras pela Fundação Santo André (SP). Pós-graduada em Educação Infantil pela UMESP e em Metodologias e Práticas para o Ensino Bi/Multilíngue pelo Instituto Singularidades de SP. Tem 22 anos de experiência em sala de aula no ensino de língua inglesa, cinco deles na área da Educação Bilíngue.

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